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Foto do escritorRicardo Anselmo de Castro

QUANTO FOI QUE DISSE MESMO QUE PODEMOS GANHAR, SENHOR CONSULTOR?

Atualizado: 27 de set. de 2022


O artigo pretende mostrar o impacto que um melhor fluxo dos produtos comercializados pode ter numa cadeia de lojas.


Palavras-chave: gestão de stock, distribuição pull, descontos, lucro líquido, retorno do inventário, disponibilidade.



Enquadramento

Usemos números reais de uma empresa distribuidora e retalhista portuguesa, que tem crescido consideravelmente, ano após ano. Sem desprimor para os feitos já alcançados, vejamos como um melhor fluxo da sua mercadoria e sem qualquer recurso adicional pode conduzir a resultados sem precedentes, leia-se: sem se aumentar as despesas operacionais e sem prejudicar os seus fornecedores, leia-se também: sem esmagar as suas margens, através de contratos leoninos.


A empresa fatura 86M€ ao ano e, dado o negócio em que se insere, os custos das mercadorias vendidas (COGS) não é muito apelativo, uma vez que correspondem a 89 por cento das receitas. Isto significa que se esta empresa conseguir fazer mais dinheiro, mesmo neste cenário tão agressivo, então também a empresa do leitor conseguirá. Para quem prefere olhar para a margem em função deste custo, o markup é, naturalmente, de 12 por cento.


Descontando todas as despesas operacionais, os resultados depois de impostos correspondem a 1,3 M€, ou seja, a margem líquida da empresa é de 1,5%. Parece ser um negócio algo ingrato, mas, terá mesmo que ser assim? A pergunta que o dono do negócio nos fez foi:


O que posso fazer ao nível da comercialização e logística dos meus produtos, com os recursos existentes, para ganhar mais dinheiro, enquanto o nível de serviço sai beneficiado?

Para entendermos a verdadeira magnitude do problema e a importância da pergunta, recordemos que para qualquer negócio do retalho ou distribuição, a métrica "retorno do inventário" é de extrema importância, porque não só ela traduz a qualidade das decisões tomadas, como mostra a quantidade de dinheiro que está empatado em inventário. Por que é isto relevante? Porque qualquer retalhista sabe que qualquer euro libertado do inventário pode ser convertido em vendas diretas.


Importa ainda explicitar que, no caso desta empresa, a margem bruta situa-se nos 9,5M€. Sabendo que o seu nível de inventário é, em média, 22,4M€ ao longo do ano, chega-se à conclusão que o retorno do mesmo está em 0,42. Por outras palavras, 1 euro empatado em inventário contribui com 0,42 euros de margem. Pondo este rácio em perspetiva, quando o comparamos com empresas de elevado desempenho (1 euro empatado em inventário chega a contribui com 8 euros de margem), vemos que há uma significativa oportunidade para a melhoria. Chegados aqui, fomos nós agora a colocar a seguinte pergunta, ao dono da empresa:


Se os astros estivessem todos alinhados, o que seria para si um bom e realista resultado?

Depois de um debate aceso entre os participantes e, em concordância com o diretor financeiro, a resposta foi que, se a empresa conseguisse aumentar o lucro líquido para o dobro, em 2 anos, já seria um resultado extraordinário.


Por esta altura tínhamos o problema e o objetivo descritos.

Mas uma elevada experiência diz-nos que mediante a aplicação de técnicas, princípios e boas práticas de uma distribuição pull é possível melhorar consideravelmente tanto o retorno do inventário como o lucro líquido, como o nível de serviço. O âmbito do artigo não está em explicar como fazer isso, mas antes em quantificar os ganhos (de forma conservadora) que o dono da empresa pode obter, assim que a solução é implementada. Ou seja, queremos chegar ao fim do exercício com a sensação:


Eu sei que os ganhos são muito superiores a estes agora calculados, mas pelo menos posso agarrar-me a este número como algo (praticamente) garantido.

Comecemos então por avaliar os stockouts - os SKU que não existem de momento na loja e que por isso estão indisponíveis. Aqui convém distinguir aqueles que são highrunners (os artigos que mais contribuem para a meta da empresa), daqueles que são os slowmovers (os artigos que às vezes, nem com descontos são vendidos). Sim, nem todos os stockouts conduzem a vendas perdidas (ainda que a imagem da empresa saia sempre prejudicada), mas vamos admitir, com base no estudo em [1], que 40% dos stockouts conduzem mesmo a vendas perdidas. Para avaliarmos isto em euros, é preciso estimar quanto é que os highrunners contribuem para o bolo total de vendas e qual a probabilidade de haver um stockout num highrunner. Assumamos que ambas as variáveis valem 10%. Se assim for, as vendas perdidas devido às quebras dos highrunners, num ano inteiro é, muito conservadoramente:


Fig. 01. Vendas perdidas por haver stockouts efetivos nos highrunners.



O valor é muito conservador, porque é normal não considerarmos o número de dias que estes artigos estão em stockout e, sendo highrunners, qualquer dia em falta tem um impacto desproporcional (muito mais elevado do que os restantes SKU), no próprio lucro líquido. Ou seja, acabamos sempre por subestimar o verdadeiro impacto, mas, avancemos para a próxima parcela.


Sob o mesmo estudo em [1], a percentagem de stockouts nos highrunners é cerca de 50 a 80 por cento superior, do que nos slowmovers. Sob esta premissa, a percentagem de stockouts nos slowmovers é, então, 6,1%. Seguindo o mesmo raciocínio (a mesma fórmula), mas desta vez para tudo o que não é highrunner, chegamos ao seguinte valor de vendas perdidas:


Fig. 02. Vendas perdidas por haver stockouts efetivos nos slowmovers.



Até agora, o que os cálculos mostram é o nível de ineficácia do negócio, em vendas perdidas pelo facto de se permitir a existência de stockouts, tanto nos highrunners, como nos slowmovers, ou seja, 2,26M€. Vejamos agora uma outra parcela não menos importante, no impacto financeiro. O argumento é simples e parte de uma pergunta inocente:


Por que se fazem descontos?

Uma razão é óbvia: porque eu, enquanto distribuidor ou retalhista apostei nos SKU errados, na quantidade errada e agora quero minimizar o estrago, pois mais vale um pássaro na mão do que dois a voar.


Senhor retalhista, eu penso que não me estou a fazer entender. Eu não disse que esta é a única razão para se fazer descontos, mas antes que esta razão, em maior ou menor magnitude está sempre presente no seu negócio. Se não concordar comigo estará, a meu ver, em negação, mas se assim for, por favor passe à parcela seguinte. No caso de haver essa concordância, a próxima pergunta é, forçosamente:


Qual é então o nível médio dos descontos que pratica?

O valor varia entre negócios, mas no caso presente, a resposta foi de 15%. Mas, se montarmos as operações de modo a conseguirmos comprar mais e mais vezes os SKU certos na quantidade certa, será razoável afirmar que haverá uma menor necessidade de praticar descontos a este nível, concorda? O argumento parece ser bastante razoável e por isso calculemos o ganho obtido se efetuássemos um decréscimo de apenas 2 pontos percentuais: em vez de o nível médio de descontos ser 15%, passaria então para 13%. Se aplicarmos esta ideia apenas aos slowmovers, as vendas perdidas traduzem-se em:


Fig. 03. Vendas a mais por se efetuar menos 2 pontos percentuais no desconto.



Será que este é o único efeito positivo de se estar a comprar melhor? A resposta é um não redondo. Haverá certos slowmovers que não deverão ser mais repostos, mas substituídos por outros SKU. Chamemos a estes SKU "bettermovers": SKU que não necessitam de desconto para serem vendidos e que apresentam um comportamento semelhante em termos de Markup face aos slowmovers descontinuados (antes de estes sofrerem descontos). Portanto, a pergunta é:


De todos os slowmovers, qual a percentagem dos mesmos que poderão ser substituídos?

Se apontarmos para uns modestos 10%, então as vendas a mais traduzem-se, devido a isto em:


Fig. 04. Vendas ganhas por se descontinuar certos slowmovers, a favor dos "bettermovers".



Repare-se no conservadorismo deste cálculo: é muito provável que os slowmovers descontinuados apresentem descontos bem superiores à média dos 15%. Mas avancemos, pois o tempo urge.


Por esta altura, o dono da empresa começa a achar a sua estimativa demasiado conservadora. O artigo poderia terminar aqui, mas vamos explorar na totalidade todas as ramificações positivas que vêm de uma logística mais flexível e rápida. Uma vasta experiência mostra que passar de uma gestão push para uma gestão pull conduz, muitas vezes, a reduções de inventário de pelo menos 50% face ao atual. Por outras palavras, metade dos 22,4M€ são convertidos em vendas adicionais, ou seja:


Fig. 05. Vendas ganhas por se libertar dinheiro empatado em stock.



Será este um evento único? Não tem que ser. Este evento deve ser replicado no tempo, desde que os ganhos daí decorrentes sejam aproveitados para se chegar a mais mercado, por exemplo, aumentando a diversidade da oferta.


Façamos então a soma de todos os deltas das vendas perdidas até agora. Isto resulta numa receita anual de 103,8M€ (contra os 86,0M€ iniciais), ou um acréscimo de 21%. Não é coisa pouca, mas, antes de nos apressarmos a ver quanto é que isto corresponde em delta lucro líquido e em margem líquida, convém não esquecer de contabilizar um certo parâmetro. A este parâmetro demos o nome:


Oh, by the way!

Sim, não me diga que já se ia esquecer de atualizar a nova percentagem dos COGS?

E, por que é legítimo fazer isso? Porque sempre que fazemos descontos, estamos a penalizar a margem! Mas, se somarmos às receitas atuais, o delta vendas (3) e (4) chegamos a um novo COGS:


Fig. 06. Novo valor da percentagem dos COGS.



89% de COGS, 86% de COGS...apenas 3 pontos percentuais de diferença. Faz diferença? Pode crer que sim: 2,76M€ a mais na margem bruta...é essa a diferença. E já nem vamos entrar em cálculos sobre, por exemplo, o custo do espaço, o custo do financiamento, o custo de envio com taxa de urgência, entre outros. Sabemos que também aí há ganhos, mas damos isso de barato. Então, o que temos na nova demonstração de resultados?


Fig. 07. Comparação financeira entre o antes e o depois (em milhões de euros).



Foi aí que o dono da empresa, com ar atónito, voltou a confessar: duplicar o lucro líquido atual em dois anos (de 1,3M€ para 2,6M€) começa-me a parecer demasiado conservador.




Conclusão

Os resultados apurados deverão entusiasmá-lo e, por favor, lembre-se de duas coisas:

  • Estes valores podem ser atingidos num prazo de menos de 1 ano.

  • Quanto menor for a percentagem dos COGS desde o início, mais se conseguirá crescer. Por exemplo, se essa percentagem fosse uns modestos 70% (markup = 43%), então a margem líquida passaria de 1,3% para 10,3%. Em termos de lucro líquido, isto significaria passar de 1,3M€ para 13,6M€. E o que dizer daqueles negócios com um markup de 100%? Seja qual for o seu caso...consideraria agora explorar esta oportunidade?

Fica a pergunta.




REFERÊNCIAS


[1] Ruiz, L., Blanco, B. and Kyguolienè, A. A Theoretical Overview of the Stockout Problem in Retail: from Causes to Consequences (2019)



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